Duas irmãs, dois feminicídios: Família perde segunda filha para feminicídio em Mato Grosso
Uma história marcada por dor e repetição voltou a chocar o estado de Mato Grosso nesta semana. Quatro anos após perder a filha Jussara Ribeiro, assassinada em Lucas do Rio Verde, a família Ribeiro agora enfrenta o luto pela morte de Jucieli Ribeiro, de 30 anos, vítima de feminicídio cometida pelo ex-companheiro, na manhã de segunda-feira (13), no município de Nobres.
As duas irmãs foram mortas a tiros por homens com quem tiveram relações afetivas. Ambas morreram dentro do espaço doméstico. Ambas haviam se separado dos autores. Ambas tiveram a vida interrompida por crimes passionais. No caso de Jucieli, o desfecho expõe ainda falhas na proteção institucional: ela tinha uma medida protetiva expedida há pouco mais de um mês e mesmo assim, não foi salva.
Invasão, violência e morte
Na manhã do dia 13 de outubro, no bairro Jardim Petrópolis, Jucieli estava em casa com o atual namorado quando foi surpreendida pelo ex-companheiro, Luciano Oliveira de Sousa, de 32 anos, que arrombou uma janela com uma barra de ferro e entrou armado no imóvel.
Segundo informações da Polícia Civil, o atual companheiro da vítima tentou protegê-la, entrando em luta corporal com o agressor. Mesmo assim, Luciano conseguiu atirar contra Jucieli, que foi socorrida com vida, mas morreu horas depois na unidade de saúde.
Após o disparo, o namorado da vítima tomou a arma e atirou contra o agressor, que também morreu no local. A Polícia Civil de Nobres investiga o crime como feminicídio qualificado com descumprimento de medida protetiva.
Uma medida protetiva que não protegeu
Documentos oficiais apontam que Jucieli havia solicitado e obtido medida protetiva no município de Rosário Oeste, em 03 de setembro de 2025. Entre os termos determinados pela Justiça estavam a proibição de contato e aproximação por parte do agressor, que já vinha sendo denunciado por ameaças e perseguições.
No entanto, não havia monitoramento eletrônico e nenhuma medida ativa de proteção ou vigilância contínua, o que, segundo especialistas, limita a eficácia da medida protetiva, deixando a vítima vulnerável mesmo após formalizar denúncias.
O feminicídio da irmã
Em abril de 2021, a irmã de Jucieli, Jussara Ribeiro, de 32 anos, foi executada com três tiros dentro de uma loja, em Lucas do Rio Verde, pelo ex-marido, o vigilante Lucas Sebastião Matos de Araújo. O caso ganhou grande repercussão na época por ter ocorrido na presença do filho do casal, então com 7 anos de idade. Após o crime, o autor tirou a própria vida.
Na ocasião, a tragédia também expôs a face extrema da violência doméstica e levantou discussões sobre prevenção e suporte às mulheres em situação de risco. Quatro anos depois, a família Ribeiro vive novamente o mesmo luto, agora agravado pela constatação de que a história se repetiu.
Mato Grosso lidera índices de feminicídio
Casos como o de Jucieli e Jussara colocam Mato Grosso no centro das estatísticas mais alarmantes do país. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, analisados pela Defensoria Pública e pela RENORCRIM, o estado registrou, em 2024, a maior taxa de feminicídio do Brasil, com 2,5 crimes por 100 mil mulheres, quase o dobro da média nacional (1,4/100 mil).
A Polícia Civil confirmou que, no ano passado, 47 mulheres foram mortas por feminicídio no estado. Destas, 41 eram mães, deixando ao menos 89 crianças órfãs de mãe.
Outros dados mostram que:
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83% dos feminicídios em Mato Grosso ocorreram dentro de casa.
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100% dos autores foram identificados.
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No primeiro semestre de 2025, o Ministério Público registrou entre 27 e 28 casos, a depender da classificação e da atualização.
O que a morte de Jucieli revela
O caso de Jucieli Ribeiro evidencia um dilema real enfrentado pelas vítimas de violência doméstica: o sistema exige coragem para denunciar, mas não garante estrutura para proteger.
Ela fez o que se espera de uma vítima: relatou ameaças, pediu socorro e conseguiu uma medida judicial. Mesmo assim, foi assassinada. Sua morte não é apenas uma tragédia individual — é um sinal de alerta sobre a fragilidade das políticas públicas de proteção.
A medida protetiva, sozinha, não é um escudo contra balas. Sem monitoramento por tornozeleira eletrônica, resposta rápida a violações e integração efetiva entre Judiciário, segurança pública e assistência social, a proteção pode ficar restrita ao papel.
Justiça e responsabilização
A Polícia Civil de Nobres informou que o caso foi registrado como feminicídio qualificado com descumprimento de medida protetiva, e segue em investigação para apurar todos os detalhes e circunstâncias, incluindo possíveis omissões no acompanhamento do caso.
A reportagem deixa aberto o direito de resposta às instituições envolvidas ,Polícia Civil, Poder Judiciário, Secretaria de Segurança Pública e Defensoria Pública ,para esclarecer os procedimentos aplicados e as medidas tomadas no caso de Jucieli Ribeiro.
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