Cuiabá andou para trás no jeito de construir e virou refém do ar-condicionado
Cuiabá, conhecida como a cidade mais quente do Brasil, viu sua arquitetura andar para trás nas últimas décadas. Casas antes arejadas, com varandas amplas e pé-direito alto, deram lugar a construções fechadas e pouco adaptadas ao clima local. O resultado é uma capital cada vez mais dependente do ar-condicionado, com impacto direto no bolso dos moradores e no meio ambiente.
Um estudo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) analisou sistemas construtivos vernaculares e concluiu que paredes espessas de terra funcionavam como reguladores térmicos naturais, absorvendo calor durante o dia e liberando-o à noite.
A mudança do padrão arquitetônico, com casas cada vez mais fechadas e pouco adaptadas ao clima, transformou Cuiabá em refém da climatização artificial. Hoje, o ar-condicionado não é apenas questão de conforto, mas de sobrevivência ao calor extremo. O resultado aparece nas contas: segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o ar-condicionado representa até 40% do consumo residencial em regiões muito quentes.
Na capital, onde as temperaturas já ultrapassaram os 42 °C em anos recentes, a dependência do aparelho pressiona o orçamento familiar e amplia os impactos ambientais. A cada megawatt consumido a mais, cresce também a emissão de gases de efeito estufa associada à matriz energética.

Quem chama atenção para essa mudança é o secretário municipal de Meio Ambiente, José Afonso Portocarrero. Arquiteto e urbanista, ele lembra que os modelos construtivos tradicionais, incluindo referências indígenas, eram naturalmente adaptados ao calor, enquanto as construções atuais privilegiaram o fechamento dos espaços, tornando inevitável a climatização artificial.
O desenho das casas indígenas não pode ser considerado como uma coisa que já passou, que não interessa, ele interessa e é muito importante que a gente olhe as coisas que já foram feitas, para as construções mais antigas, e aprender com elas. Respeitá-las, ver o valor e aprender com elas. Exatamente nesse momento em que a gente fala tanto de tecnologia, de avanço, de inovação, muitas vezes há um excesso de uso dessa tecnologia, que é cara também, que custa energia, enquanto as moradias ancestrais utilizavam apenas energia natural”, afirmou Portocarrero.
Os Enawenê-Nawê, por exemplo, que vivem na região noroeste de Mato Grosso, constroem suas casas a partir de materiais disponíveis na floresta, como palha de buriti e de açaí, madeira e cipó. As moradias são retangulares, podendo ser ampliadas conforme a necessidade da família, e oferecem isolamento térmico e iluminação natural sem o uso de recursos artificiais. Essa arquitetura tradicional, transmitida de geração em geração, reflete uma lógica de sustentabilidade que alia simplicidade, eficiência e respeito ao meio ambiente.
O abandono dessas técnicas contrasta com soluções que ainda hoje inspiram construções modernas. O Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), em Cuiabá, presta homenagem à sabedoria dos povos indígenas do Xingu. O prédio em formato ogival adota cobertura dupla, que permite a circulação do ar e garante frescor natural, além de incorporar práticas sustentáveis como reaproveitamento de resíduos e preservação da vegetação nativa.
“Construir para o clima é muito mais eficiente do que depender do ar-condicionado”, afirma o arquiteto e urbanista José Afonso Portocarrero, secretário municipal de Meio Ambiente.
Antes da popularização do ar-condicionado, as casas cuiabanas já incorporavam soluções vernaculares que garantiam frescor natural. Paredes espessas de adobe ou taipa funcionavam como isolantes, varandas amplas criavam sombra e os beirais largos protegiam as fachadas da insolação direta. Janelas altas e o pé-direito elevado favoreciam a ventilação cruzada, permitindo que o ar circulasse com facilidade mesmo nos dias mais quentes.
O custo de ignorar o clima
A elevação das temperaturas reforça essa necessidade. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que a média das mínimas subiu cerca de 1,6 °C entre 1991 e 2020 em comparação ao período de 1931 a 1960. Já as máximas tiveram aumento de até 1 °C em meses críticos como agosto, setembro e novembro. Mais calor significa maior gasto com energia, o que pressiona orçamentos familiares e desafia políticas de financiamento habitacional.
O projeto de milhões que ficou no passado
O retrocesso não foi apenas arquitetônico. Cuiabá desperdiçou oportunidades de avançar em sustentabilidade urbana. Um exemplo emblemático é o Centro de Referência do Reuso da Água (CRRA), inaugurado em 2011 como vitrine de tecnologias verdes. O projeto, fruto de parceria entre UFMT, Sanecap e Petrobras, chegou a economizar até 30% no consumo de 60 casas adaptadas. Além disso, previa o tratamento de até 90% do esgoto local e devolução de água limpa aos rios.
Com R$ 3 milhões investidos, o centro poderia ter colocado Cuiabá na vanguarda da sustentabilidade urbana, atraindo investimentos e reduzindo custos para moradores. No entanto, em 2013, o espaço foi abandonado após a concessão dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada, simbolizando mais um retrocesso na integração entre urbanismo, sustentabilidade e economia.
Um estudo do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), publicado na revista MIX Sustentável em 2023, mostrou que a construção sustentável ainda enfrenta barreiras na região metropolitana de Cuiabá. Entre os fatores que impedem avanços estão o custo inicial elevado, a falta de mão de obra qualificada e a ausência de incentivos públicos.
Apesar de 71,2% dos arquitetos e engenheiros afirmarem que já aplicam práticas sustentáveis em projetos, 93% nunca tiveram obras certificadas. Isso significa que, na prática, clientes e construtoras ainda preferem soluções imediatas, mesmo que menos eficientes no longo prazo. O paradoxo é que justamente o fator econômico poderia ser o diferencial: 54,2% dos profissionais afirmaram que a economia financeira futura é o argumento mais convincente para adotar soluções verdes.
Outro dado importante é a forma como o conceito de sustentabilidade ainda é compreendido. Segundo a pesquisa, 68,5% dos profissionais restringem o termo apenas à dimensão ambiental, deixando em segundo plano as dimensões social e econômica, fundamentais para garantir a viabilidade e a longevidade dos projetos.

A transição para construções menos adaptadas ao clima se reflete diretamente no consumo de energia. Dados da Energisa Mato Grosso mostram que o consumo no estado subiu 40% nos últimos dez anos: entre janeiro e julho de 2015, foram 4.501 GWh, enquanto no mesmo período de 2025 o número chegou a 6.295 GWh. Em Cuiabá, o crescimento foi ainda maior, de 42%.
Com investimentos bilionários, a concessionária afirma estar preparada para atender à crescente demanda, garantindo eficiência, qualidade e segurança no fornecimento. Atualmente, a Energisa tem capacidade para suprir até o dobro da demanda atual, assegurando um serviço confiável para a população de Mato Grosso.
No entanto, a empresa reforça que o desafio vai além da oferta: é preciso incentivar hábitos de consumo consciente. “Aparelhos de ar-condicionado e geladeira trocam calor com o ambiente externo e, com isso, trabalham mais. Naturalmente, as pessoas também tendem a diminuir a temperatura desses aparelhos, o que contribui para esse aumento no consumo. Então, é necessário tomar medidas para evitar esse aumento expressivo”, explica Anderson Rodrigues, gerente de operações da Energisa MT.
Entre as principais dicas para conter os gastos estão manter filtros do ar-condicionado limpos, evitar portas e janelas abertas, usar cortinas em janelas expostas ao sol, regular geladeiras de acordo com o manual, não colocar alimentos quentes no interior, além de retirar aparelhos da tomada quando não estão em uso.
Sustentabilidade valoriza os imóveis
Um levantamento da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) em parceria com a Brain Inteligência Estratégica mostrou que a sustentabilidade já é fator de valorização real no mercado imobiliário brasileiro.
🟢 Valorização de até 30% – Empreendimentos residenciais, comerciais ou corporativos que aplicam práticas sustentáveis podem valorizar até 30% após a entrega, segundo o estudo.
🟢Consumidores dispostos a pagar mais – A pesquisa também revelou que 66% dos entrevistados estariam dispostos a pagar mais por imóveis com energia solar e 56% aceitariam pagar mais por edificações com sistemas de reutilização da água da chuva.
🟢 Preferência por espaços integrados à natureza – Outro dado relevante é que 57% dos compradores valorizam imóveis com áreas arejadas e contato com a natureza, reforçando a tendência de que sustentabilidade e conforto climático caminham juntos.
O levantamento reforça que práticas sustentáveis deixaram de ser apenas um diferencial e se tornaram critério de valorização, liquidez e desejo do consumidor, aproximando o setor imobiliário brasileiro das demandas globais de ESG.
Onde Cuiabá avança
Apesar dos retrocessos, a capital aparece bem em alguns indicadores. Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com base na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS/2022), mostrou que cerca de 20% dos vínculos formais de trabalho em Cuiabá estão ligados a empregos verdes. Esse dado coloca a cidade entre as líderes nacionais ao lado de Florianópolis e Rio Branco.
A arborização também cresceu. Em 2010, apenas 39,6% das vias tinham cobertura de árvores; em 2022, o índice saltou para 74,23%, segundo o IBGE. O avanço se deve a iniciativas como o Programa Verde Novo, criado em 2017, que já distribuiu mais de 230 mil mudas e ajudou Cuiabá a recuperar o título de “Cidade Verde”.
Sustentabilidade valoriza os imóveis
Um levantamento da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) em parceria com a Brain Inteligência Estratégica mostrou que a sustentabilidade já é fator de valorização real no mercado imobiliário brasileiro.
🟢 Valorização de até 30% – Empreendimentos residenciais, comerciais ou corporativos que aplicam práticas sustentáveis podem valorizar até 30% após a entrega, segundo o estudo.
🟢Consumidores dispostos a pagar mais – A pesquisa também revelou que 66% dos entrevistados estariam dispostos a pagar mais por imóveis com energia solar e 56% aceitariam pagar mais por edificações com sistemas de reutilização da água da chuva.
🟢 Preferência por espaços integrados à natureza – Outro dado relevante é que 57% dos compradores valorizam imóveis com áreas arejadas e contato com a natureza, reforçando a tendência de que sustentabilidade e conforto climático caminham juntos.
O levantamento reforça que práticas sustentáveis deixaram de ser apenas um diferencial e se tornaram critério de valorização, liquidez e desejo do consumidor, aproximando o setor imobiliário brasileiro das demandas globais de ESG.
Onde Cuiabá avança
Apesar dos retrocessos, a capital aparece bem em alguns indicadores. Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com base na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS/2022), mostrou que cerca de 20% dos vínculos formais de trabalho em Cuiabá estão ligados a empregos verdes. Esse dado coloca a cidade entre as líderes nacionais ao lado de Florianópolis e Rio Branco.
A arborização também cresceu. Em 2010, apenas 39,6% das vias tinham cobertura de árvores; em 2022, o índice saltou para 74,23%, segundo o IBGE. O avanço se deve a iniciativas como o Programa Verde Novo, criado em 2017, que já distribuiu mais de 230 mil mudas e ajudou Cuiabá a recuperar o título de “Cidade Verde”.
Por Primeira Página
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