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Frigorífico em Lucas do Rio Verde é condenado após funcionária venezuelana entrar em trabalho de parto durante expediente

Frigorífico em Lucas do Rio Verde é condenado após funcionária venezuelana entrar em trabalho de parto durante expediente

Um frigorífico de Lucas do Rio Verde (MT) foi condenado pela Justiça do Trabalho a pagar R$ 150 mil em indenização por danos morais a uma funcionária venezuelana que perdeu as filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto durante o expediente. A decisão também reconhece a rescisão indireta do contrato de trabalho, obrigando o pagamento de verbas rescisórias.

O caso ocorreu em abril de 2024. A trabalhadora, grávida de oito meses, começou a passar mal por volta das 3h40, no início da jornada. Com sintomas como dores intensas, tontura, ânsia de vômito e falta de ar, ela pediu socorro à liderança imediata e ao supervisor, mas teve a saída do setor negada sob o argumento de que a linha de produção não poderia ser interrompida.

Sem atendimento, a gestante deixou o setor por conta própria e se sentou em um banco na entrada da empresa, à espera de condução para procurar atendimento médico. No entanto, o parto teve início no local. A primeira bebê nasceu por volta das 6h30, na portaria do frigorífico, e faleceu em seguida. Minutos depois, a segunda gêmea também nasceu sem vida.

A empresa alegou que o parto ocorreu em área pública e que a funcionária teria recusado atendimento médico interno. Também sustentou não haver registro de gravidez de risco e responsabilizou a própria trabalhadora pela situação.

No entanto, depoimentos e documentos apresentados ao processo indicam que a empresa estava ciente da gestação e havia, inclusive, transferido a funcionária para um setor mais compatível com sua condição. Testemunhas relataram que ela buscou ajuda, mas não teve acesso ao Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), como exigem normas internas da empresa.

O enfermeiro responsável confirmou que os protocolos de atendimento não foram seguidos. A própria representante da empresa afirmou que ninguém da liderança entrou em contato com o setor médico diante da emergência.

Além disso, imagens das câmeras de segurança apresentadas pela defesa mostraram que o parto ocorreu nas dependências da empresa. Também foi confirmado que a funcionária foi levada ao hospital acompanhada por uma técnica de enfermagem da empresa, e que a médica do trabalho foi acionada somente após o ocorrido.

Na sentença, o juiz Fernando Galisteu, da 2ª Vara do Trabalho de Lucas do Rio Verde, apontou omissão e negligência da empresa ao não assegurar atendimento médico urgente. “A autora pediu ajuda. Estava em sofrimento evidente e no oitavo mês de gestação de gêmeas”, afirmou.

O magistrado também destacou que a unidade conta com veículo para emergências, mas não o disponibilizou. “Mesmo se considerada a informação da empresa de que o parto durou três horas, ainda assim haveria tempo suficiente para o atendimento médico adequado”, disse.

Protocolo antidiscriminatório e direito à saúde

A sentença também aplicou diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, com base em normas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O juiz ressaltou a vulnerabilidade da trabalhadora, por ser imigrante, mulher e gestante, e citou convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Trata-se de ofensa de natureza gravíssima, com intensidade de sofrimento e humilhação inegáveis”, escreveu o magistrado ao fixar o valor da indenização. Ele também destacou a exposição da funcionária a dor física e emocional extrema em um local público, na presença de colegas, além da ampla repercussão do caso.

Rescisão indireta do contrato

A Justiça reconheceu que a empresa criou uma situação insustentável para a continuidade do vínculo empregatício. Assim, determinou a rescisão indireta do contrato, garantindo à trabalhadora todos os direitos como se tivesse sido demitida sem justa causa, incluindo aviso-prévio, 13º salário, férias proporcionais, FGTS com multa de 40% e acesso ao seguro-desemprego.

A tese da empresa, que alegava abandono de emprego após o término da licença-maternidade, foi rejeitada pelo juiz. “A grave e injustificável omissão da ré é suficiente para tornar insuportável a manutenção do vínculo, caracterizando a justa causa patronal”, concluiu.

Por Olhar Jurídico

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